O MENDIGO E A JUSTIÇA
O mendigo chegou ao palácio da justiça,
que tinha a pompa de discriminação natural dos poderosos, o quanto menos ser
justo com quem devia, só defendia interesses mores dos grandes capitalistas.
Tinha sido acusado de roubar algumas
frutas dos feirantes e pães das padarias aos arredores, para tentar saciar sua
fome.
Mas não adiantava, a justiça seria
extremante severa.
Roubo é roubo em qualquer lugar.
Foi sozinho até a sessão do seu
julgamento.
Sabia que todos aqueles procedimentos
jurídicos levariam um bom tempo, e tinha consciência de que o grande artista teatral,
que tinha sido no passado de pouca valia, haveria de surgir agora e, nada
adiantaria para tentar sanar seu desespero perante a fome e o medo de ser preso.
E assim foi indo lentamente ao Palácio da
Justiça, em um dia frio e nostálgico, prestar conta dos seus atos.
Os policiais o esperavam de forma pouco
amigável, para levá-lo até o catre do banco dos réus.
E assim foi feito!
Sentou-se calmamente, esperando a presença
de vossa excelência, o juiz, e do impávido promotor que nada perdoava.
Foi dado início à sessão no plenário.
Havia poucas pessoas na plateia, as formigas e moscas se constituíram em sua grande maioria.
— Bem, estamos aqui reunidos para
decidirmos o destino desse pobre infeliz, acusado de muitos furtos de
alimentos, pelo quais, vem causando muitos prejuízos aos nossos comerciantes
que pagam seus impostos periodicamente e justamente.
O réu questiona o juiz.
— Vossa excelência, como quer que eu pague
meus impostos, se mal tenho dinheiro para comer? Vivo das esmolas que recebo,
caminhando de um lado para o outro no centro da cidade e...
— Cale-se insolente! Não ouse me interromper, eu
sou a lei aqui, e por isso se coloque no seu devido lugar, antes que lhe mande
para prisão sem nenhum tipo de direito defesa, por desacato.
Cabisbaixo o réu grunhi...
— Mil perdões excelência! Isso não vai voltar a
acontecer.
Depois disso foi a vez de o Promotor de
justiça usufruir da palavra.
Um homem gordo, e com as maçãs do rosto
vermelhas, dentes amarelados pelo vício em cachimbo, e um ar de soberba
misturada a vulgaridade de não conter classe nenhuma de boa estética e de
postura arquejante, condizente com o cargo que ocupa.
— Bem! Senhor juiz sejamos rápidos em mais esse
caso de furto. Todos, ou praticamente quase todos que se sentam nessa cadeira, dizem
que roubam por fome, mas haveria a oportunidade da mendicância. Mas esses
pobres infelizes preferem o mundo do crime, ao invés de bater na porta das
famílias de boa índole e pedir um pouco de alimento, mesmo que fossem os restos
de alguma refeição saudável que nós abastados, somos laureados divinamente a
termos todos os dias em nossa mesa, alimentando nossas esposas e filhos. Para
mim, um bom tempo no presídio o faria repensar o sentido do que seja roubar.
O réu estava calado, mas nutrindo um forte
desejo de poder falar tudo o que pensava daquele sistema judiciário corrupto e
nada imparcial.
— Espero que o veredicto desse caso de furto
seja rápido, pois as, “cartas de pôquer”, me aguardam, e
estou vendo aqui no recinto que não há nenhuma testemunha de defesa para seu
caso, certo?
E de fato o réu, nem precisaria responder,
estava praticamente nas mãos de Deus e do juiz, pois não havia uma viva alma
que se lembraria dele naquele momento derradeiro.
O promotor volta a se levantar de forma
efusiva e ameaçadora e volta para sua arguição desprezível e classicista.
— Bem, vossa excelência, também tenho outros
compromissos, e ficar aqui debatendo acerca desse projeto de moribundo é cansar
nossas mentes, em substituição a outros dilemas mais importantes, que temos que
tratar perante nossas posições de homens públicos e guardiões dos bons costumes.
Se deixarmos livre, com toda certeza irá cometer novos delitos, e teremos mais contratempos
com reclamações advindas dos comerciantes e mercadores, o que levaria também a
um descaso de nossa credibilidade como magistrados. O Direito e a Ordem Social
devem prevalecer, e ser pobre bem... Nem todos nascem com as bênçãos plenas do “Todo
poderoso”, para se ter um bom lugar para se viver e morar, e se
alimentar.
O desprezo da justiça ficava cada vez mais
nítido com os mais humildes.
Bem sabia o meliante, que poderia usar
todos os artifícios possíveis, estaria destinado a passar uma boa temporada na
mais sórdida prisão da cidade, onde poderia aperfeiçoar seus métodos de
gatunagem, ou tentar sobreviver a todo tipo de provocação e violação que o ser
humano poderia suportar, além de ter a companhia frenética de ratos e de outras
pragas, sofrendo com frio, o medo, e o ranger de dentes constantes.
Depois dessa rápida explanação
discriminatória, foi à vez de sua parca defesa, ao qual quase ninguém estava
interessada em ouvir.
— Bem senhores, já sei que meu destino está
selado. Vou ser condenado e, tratado como um animal assim que todo esse
festival burocrático medonho e discriminador acabar, pois esse sistema somente
valoriza as classes sociais mais privilegiadas. Os pobres e miseráveis já são
malditos por natureza, por serem escravizados segundos os desejos de uma
minoria rica, como vós, que se julgam acima de tudo e todos, e não se importam
de alimentarem seus cães com seus banais restos de ceias diárias, e que são frutos de um duro
trabalho semi-escravo e miserável de muitas pessoas. Eu não consigo emprego, e
nem se quer alguma “esmola” digna, para que possa assim tentar de alguma forma, alimentar
meu corpo para conseguir sobreviver diariamente, as mais anacrônicas submissões
de humilhações que os ricos fazem de mim e de outros passarem. Talvez o cárcere
da justiça não seja tão ruim assim, pois lá vou ter a companhia de outros
marginalizados, e querendo ou não, vou receber uma alimentação de baixa
qualidade, mas ao menos vou ter o que comer.
Depois dessas exclamações debochadas,
tanto o juiz, como promotor, e os oficiais se entreolharam e ficaram por alguns
segundos em silêncio.
— Como um homem, pode praticamente pedir para
ser condenado, para matar a fome, perante a alimentação dada pelo Estado que é
retirada de nossos impostos? Pensou o juiz.
Um silêncio demoníaco tomou conta de todos
os presentes.
O juiz tomou o usufruto da palavra novamente,
enquanto o réu estava com sorrisinho maroto no rosto.
— Senhor promotor venha até a sala secreta
comigo por gentileza.
E assim as duas autoridades caminharam
para uma porta bege, e um pouco descolorida com o passar do tempo e lá
permaneceram por alguns minutos, enquanto do outro lado, tanto réu e oficiais
da guarnição trocavam algumas palavras amigáveis.
— Será que a Esquerda tem alguma chance nas
próximas eleições municipais? Ou o velho “Capital” continuará dando as cartas?
Foram essas algumas das questões levantadas durante os momentos de espera, em relação
a volta dos dois guardiões da justiça.
Com um solavanco forte, a porta se abre, e
o juiz vem com uma cara de poucos amigos, dirigindo até seu lugar assim como o
promotor.
Todos tomaram seus assentos.
Vossa excelência pede silêncio para
proclamar o veredicto.
— Eu, como autoridade máxima desse condado, e
com os poderes que foram confiados a mim pelo Estado, diante a constituição
outorgada pelo poder legislativo, o declaro livre da acusação de qualquer tipo
de roubo, o senhor está perdoado és um cidadão livre como todos os outros. Caso
encerrado!
E ele mal podia acreditar, e também ficou
um pouco irritado, pois sabia que a miséria o aguardava assim que saísse
daquele local.
Porém antes de se afastar do promotor e do
juiz, ousou quebrar o silêncio do protocolo formal do Direito, e fez uma última
indagação.
— Vossa excelência, se me permite, posso, fazer
uma pergunta? Mesmo sabendo que sou
culpado, por quais motivos me absolveu?
Tanto o juiz como o promotor olharam um
para outro e sorriram ironicamente, enquanto vossa excelência ecoou suas
últimas palavras sobre o caso.
— Amigo, a prisão seria um paraíso para você,
com uma cama surrada para dormir, e até um boa comida para se alimentar, e um
local fechado para se proteger a noite, você vivendo nas ruas já é sua
condenação, pois sempre vai depender dos outros, ou seja daqui algum tempo, o vejo de novo aqui, quando sua “liberdade
temporária passar”, e você voltar a roubar, proclamou a sua eminência
autoridade, enquanto caminhava para o saguão de saída do tribunal.
SOBRE O AUTOR
Clayton Alexandre Zocarato
· Email: claytonalexandrezocarato@yahoo.com.br
· Instagram: Clayton.Zocarato
Clayton Alexandre Zocarato faz parte do programa "Escritores de Sucesso" faça partetambém deste programa do Jornal e Editora Alecrim.
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