quarta-feira, 7 de agosto de 2024

O Mendigo e a Justiça

 

O MENDIGO E A JUSTIÇA

O mendigo chegou ao palácio da justiça, que tinha a pompa de discriminação natural dos poderosos, o quanto menos ser justo com quem devia, só defendia interesses mores dos grandes capitalistas.

Tinha sido acusado de roubar algumas frutas dos feirantes e pães das padarias aos arredores, para tentar saciar sua fome.

Mas não adiantava, a justiça seria extremante severa.

Roubo é roubo em qualquer lugar.

Foi sozinho até a sessão do seu julgamento.

Sabia que todos aqueles procedimentos jurídicos levariam um bom tempo, e tinha consciência de que o grande artista teatral, que tinha sido no passado de pouca valia, haveria de surgir agora e, nada adiantaria para tentar sanar seu desespero perante a fome e o medo de ser preso.


E assim foi indo lentamente ao Palácio da Justiça, em um dia frio e nostálgico, prestar conta dos seus atos.

Os policiais o esperavam de forma pouco amigável, para levá-lo até o catre do banco dos réus.

E assim foi feito!

Sentou-se calmamente, esperando a presença de vossa excelência, o juiz, e do impávido promotor que nada perdoava.

Foi dado início à sessão no plenário.

Havia poucas pessoas na plateia, as formigas e moscas se constituíram em sua grande maioria.

— Bem, estamos aqui reunidos para decidirmos o destino desse pobre infeliz, acusado de muitos furtos de alimentos, pelo quais, vem causando muitos prejuízos aos nossos comerciantes que pagam seus impostos periodicamente e justamente.

O réu questiona o juiz.

— Vossa excelência, como quer que eu pague meus impostos, se mal tenho dinheiro para comer? Vivo das esmolas que recebo, caminhando de um lado para o outro no centro da cidade e...

 Cale-se insolente! Não ouse me interromper, eu sou a lei aqui, e por isso se coloque no seu devido lugar, antes que lhe mande para prisão sem nenhum tipo de direito defesa, por desacato.

Cabisbaixo o réu grunhi...

 Mil perdões excelência! Isso não vai voltar a acontecer.

Depois disso foi a vez de o Promotor de justiça usufruir da palavra.

Um homem gordo, e com as maçãs do rosto vermelhas, dentes amarelados pelo vício em cachimbo, e um ar de soberba misturada a vulgaridade de não conter classe nenhuma de boa estética e de postura arquejante, condizente com o cargo que ocupa.

 Bem! Senhor juiz sejamos rápidos em mais esse caso de furto. Todos, ou praticamente quase todos que se sentam nessa cadeira, dizem que roubam por fome, mas haveria a oportunidade da mendicância. Mas esses pobres infelizes preferem o mundo do crime, ao invés de bater na porta das famílias de boa índole e pedir um pouco de alimento, mesmo que fossem os restos de alguma refeição saudável que nós abastados, somos laureados divinamente a termos todos os dias em nossa mesa, alimentando nossas esposas e filhos. Para mim, um bom tempo no presídio o faria repensar o sentido do que seja roubar.



O réu estava calado, mas nutrindo um forte desejo de poder falar tudo o que pensava daquele sistema judiciário corrupto e nada imparcial.

 Espero que o veredicto desse caso de furto seja rápido, pois as, “cartas de pôquer”, me aguardam, e estou vendo aqui no recinto que não há nenhuma testemunha de defesa para seu caso, certo?

E de fato o réu, nem precisaria responder, estava praticamente nas mãos de Deus e do juiz, pois não havia uma viva alma que se lembraria dele naquele momento derradeiro.

O promotor volta a se levantar de forma efusiva e ameaçadora e volta para sua arguição desprezível e classicista.

 Bem, vossa excelência, também tenho outros compromissos, e ficar aqui debatendo acerca desse projeto de moribundo é cansar nossas mentes, em substituição a outros dilemas mais importantes, que temos que tratar perante nossas posições de homens públicos e guardiões dos bons costumes. Se deixarmos livre, com toda certeza irá cometer novos delitos, e teremos mais contratempos com reclamações advindas dos comerciantes e mercadores, o que levaria também a um descaso de nossa credibilidade como magistrados. O Direito e a Ordem Social devem prevalecer, e ser pobre bem... Nem todos nascem com as bênçãos plenas do “Todo poderoso”, para se ter um bom lugar para se viver e morar, e se alimentar.

O desprezo da justiça ficava cada vez mais nítido com os mais humildes.

Bem sabia o meliante, que poderia usar todos os artifícios possíveis, estaria destinado a passar uma boa temporada na mais sórdida prisão da cidade, onde poderia aperfeiçoar seus métodos de gatunagem, ou tentar sobreviver a todo tipo de provocação e violação que o ser humano poderia suportar, além de ter a companhia frenética de ratos e de outras pragas, sofrendo com frio, o medo, e o ranger de dentes constantes.

Depois dessa rápida explanação discriminatória, foi à vez de sua parca defesa, ao qual quase ninguém estava interessada em ouvir.

 Bem senhores, já sei que meu destino está selado. Vou ser condenado e, tratado como um animal assim que todo esse festival burocrático medonho e discriminador acabar, pois esse sistema somente valoriza as classes sociais mais privilegiadas. Os pobres e miseráveis já são malditos por natureza, por serem escravizados segundos os desejos de uma minoria rica, como vós, que se julgam acima de tudo e todos, e não se importam de alimentarem seus cães com seus banais restos de  ceias diárias, e que são frutos de um duro trabalho semi-escravo e miserável de muitas pessoas. Eu não consigo emprego, e nem se quer alguma “esmola” digna, para que possa assim tentar de alguma forma, alimentar meu corpo para conseguir sobreviver diariamente, as mais anacrônicas submissões de humilhações que os ricos fazem de mim e de outros passarem. Talvez o cárcere da justiça não seja tão ruim assim, pois lá vou ter a companhia de outros marginalizados, e querendo ou não, vou receber uma alimentação de baixa qualidade, mas ao menos vou ter o que comer.

Depois dessas exclamações debochadas, tanto o juiz, como promotor, e os oficiais se entreolharam e ficaram por alguns segundos em silêncio.

 Como um homem, pode praticamente pedir para ser condenado, para matar a fome, perante a alimentação dada pelo Estado que é retirada de nossos impostos? Pensou o juiz.

Um silêncio demoníaco tomou conta de todos os presentes.

O juiz tomou o usufruto da palavra novamente, enquanto o réu estava com sorrisinho maroto no rosto.

 Senhor promotor venha até a sala secreta comigo por gentileza.

E assim as duas autoridades caminharam para uma porta bege, e um pouco descolorida com o passar do tempo e lá permaneceram por alguns minutos, enquanto do outro lado, tanto réu e oficiais da guarnição trocavam algumas palavras amigáveis.

 Será que a Esquerda tem alguma chance nas próximas eleições municipais? Ou o velho “Capital” continuará dando as cartas? Foram essas algumas das questões levantadas durante os momentos de espera, em relação a volta dos dois guardiões da justiça.

Com um solavanco forte, a porta se abre, e o juiz vem com uma cara de poucos amigos, dirigindo até seu lugar assim como o promotor.

Todos tomaram seus assentos.

Vossa excelência pede silêncio para proclamar o veredicto.

 Eu, como autoridade máxima desse condado, e com os poderes que foram confiados a mim pelo Estado, diante a constituição outorgada pelo poder legislativo, o declaro livre da acusação de qualquer tipo de roubo, o senhor está perdoado és um cidadão livre como todos os outros. Caso encerrado!

E ele mal podia acreditar, e também ficou um pouco irritado, pois sabia que a miséria o aguardava assim que saísse daquele local.

Porém antes de se afastar do promotor e do juiz, ousou quebrar o silêncio do protocolo formal do Direito, e fez uma última indagação.

 Vossa excelência, se me permite, posso, fazer uma pergunta?  Mesmo sabendo que sou culpado, por quais motivos me absolveu?

Tanto o juiz como o promotor olharam um para outro e sorriram ironicamente, enquanto vossa excelência ecoou suas últimas palavras sobre o caso.

 Amigo, a prisão seria um paraíso para você, com uma cama surrada para dormir, e até um boa comida para se alimentar, e um local fechado para se proteger a noite, você vivendo nas ruas já é sua condenação, pois sempre vai depender dos outros, ou seja daqui algum tempo,  o vejo de novo aqui, quando sua “liberdade temporária passar”, e você voltar a roubar, proclamou a sua eminência autoridade,  enquanto caminhava para o  saguão de saída do tribunal.


SOBRE O AUTOR

Clayton Alexandre Zocarato


Possui graduação em Licenciatura em História pelo Centro Universitário Central Paulista (2005) - Unicep - São
Carlos - SP, graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano (2016) - Ceuclar - Campus de São José do Rio Preto – SP.. Escrevo regularmente para o site www.recantodasletras.com.br usando o pseudônimo ZACCAZ, mesclando poesia surrealista, com haikais e aldravias.. Onheça mais do autor!

·                  Email: claytonalexandrezocarato@yahoo.com.br

·                  Instagram: Clayton.Zocarato


Clayton Alexandre Zocarato faz parte do programa "Escritores de Sucesso" faça partetambém deste programa do Jornal e Editora Alecrim.

Venha ser um Escritor de sucesso! 

Conheça os escritores que estão brilhando no Jornal Alecrim! #EscritoresDeSucesso

Promova seus livros e sua carreira literária com o plano de divulgação da Jornal e Editora Alecrim. Tenha suas obras divulgadas nas principais redes sociais, jornais e eventos literários do Rio de Janeiro e região. Conecte-se com seu público e alcance o sucesso que você merece. Aproveite essa oportunidade única e alavanque sua carreira literária agora!

CLIQUE AQUI E PARTICIPE!

Nenhum comentário:

Postar um comentário