Miséria!


São Paulo – Final dos anos 60.

 

Diariamente o avarento senhor Ademir, se caminhava de forma esnobe para agência bancária, principal da metrópole intrépida.

Por entre fumaças, carros, motos, buzinas, barulhos de motores queimando óleo, mendigos, e todos os tipos de transeuntes, seu humor sempre era o pior possível.

Também pudera, sua esposa havia falecido já tinha 08 anos, e seus filhos poucos ligavam, se estava vivo ou morto.

Seu fiel “companheiro”, era um andador, que praticamente servia para tudo, até para ir verificar suas contas, e depois de tentar puxar “algum rabo de prosa”, com quem quer que fosse, para matar um pouco sua solidão, que praticamente o deixava atomizado mentalmente, julgando que sua existência, não era se quer notada.

Todavia, não estava de todo errado em si, era um idoso doente e muito chato.

Ninguém se interessava muito em proporcionar alguma atenção, para um “senhor”, que nos seus tempos áureos de juventude, adorava bancar o esnobe, “estando nos panos”, como diria os antigos, e que disseminava grana a vontade, entre os Bordéus das redondezas, que tinham em seus espaços, “funcionárias casadas”, e que quando os maridos descobriam era “pernas para te quero”.

Tinha grande amor por seu Ford Galaxie 1967, foi um dos primeiros tirados de fábrica, cheirava a “pele de nenê automobilístico”, como ele mesmo dizia, e pelos quais seus bancos foram testemunhas de inúmeras “farras”, extasiadas nos tempos antigos por gurias, que pagavam de moças respeitáveis e conservadoras, mas que bem gostavam de uma  boa sacanagem.

Mas o tempo, não foi muito agradável com Ademir, já que em virtude de sua inconsequência teve um casamento precoce, visto que tinha engravidado uma moça alguns anos mais nova do que ele, e que para não ver o sol “nascer quadrado” (era de menor!), ou “amanhecer com a boca cheia de formiga”, foi levado a subir ao altar contra sua vontade.

Sua miséria teria de fato começado ali, mas diante de todos os prazeres carnais pelos quais tinha aproveitado ao extremo, isso lhe trouxe poucas reflexões acerca, de como tinha entrado nessa, de ter que constituir família, e ter que ser genitor e gestor de uma instituição social e econômica chamada família.

Essa estória era sempre narrada ao gerente de sua conta, que para não ter que responder memorandos por colocar sua insatisfação “para fora” com aquela ladainha infernal, diante já estar “de saco cheio daquele velho insolente”, retorcia os lábios tentando controlar sua fúria, como também dava sorrisos amarelados e amargos, fazendo com que sua irritação fosse afogada pela marca do bom senso.



Mas Ademir, já tinha em mente, que estava vivendo na Miséria”, que estava ultrapassado nos limites existenciais, e praticamente o fazia ser mais um corpo no meio de uma enxovalhada de vidas frenéticas em conseguirem suas subsistências e que já não tinha mais como mentir para si mesmo que já estava fazendo parte daquele ciclo de futilidades psicológicas, que tanto lutou para não ser abocanhado.

De tanto gastar e pensar que nunca acabaria, disseminou toda sua “bufunfa” e a hipoteca lhe tinha tomado o automóvel que tanto zelava, bem como sua casa, e como não era aposentado, a ‘irmã Pobreza”, se apresentou de forma muito rápida.

Pouco amor, perante a sua dor, mas aliás, quem se importa que vou ter, ou que teria o que comer?

 Sua dúvida era se a “Miséria” em todos os seus níveis existências e morais o deixariam em paz, para tentar viver um pouco mais de sua banal vida.

Caminhava pelas vielas do abandono e do esquecimento, sucesso jamais teria de novo, poucos notariam que estava aqui nesse mundo vivendo somente por viver.

Diante de tanto amargar, às vezes, bem às vezes, um pouco de “sinapses éticas”, recorria para um pensamento.

— Como poderia deixar de reclamar? Como essa vida é uma ingrata piada, de mal gosto de um sarcasmo egoísta da maioria das pessoas, “que são muito ricas”, mas que vivem um ardente cunho, de se importarem somente consigo mesmas. Eu não as culpo, pois dentro de seus pertences, eles que se julgam como detentores de toda a verdade possível, transitam entre o desespero da ansiedade em terem no seu “eu”, julgamentos necessários para continuarem com suas falsas, sensações de liberdade.

Diante de tantos disparates, Ademir sabia, que poucos caminhos lhe seriam disponíveis, para assim se chegar a um compêndio de vida digno de comparação, como uma dádiva, ao volumétrico tecido de uma moral enfadonha, e que  para fugir de sua fiel “amante a Miséria”, seria necessário quinquilharias mentais, que tivessem a insigne de não fazer se sentir, como parte das escórias, para se chegar a uma lógica vivencia cheia de consciências, em buscar conseguir uma decência que não fosse “(in)consequente”, mas sim de construir a imagem de alguém, que se não fizesse despertar uma “imagem de Zé Ninguém”, para quem se deparasse com  sua estética, suja, e cadavérica por aquela cidade cheia de agitações humanas, que adoravam viverem de aparências.

Não haveriam de terem, alguma decência, comiserados por corações, que estavam amargados, e que vivam o seu cotidiano repetitivo, sem ter uma clareza de que a subjetividade é construída a cada instante.

O instante, que pode levar um ser humano, tanto para o sucesso como para o fracasso, jogando-o precocemente nas cavernas mais profundas, de toda forma de intolerância ou de rancor, e que aos poucos vai alimentando, momentos de um ódio progressivo, deixando a cor do medo cada vez mais afirmativa, no caminhar de disseminar, relacionamentos humanos,   forjados  e  fabricados, unicamente para “manter as aparências”, com uma ânsia, de que “o bom pecar”, não depende unicamente do “bom diabo ou do mau deus”, mas sim de uma fenomenologia argumentativa, de que é necessário alimentar o corpo para saciar a alma.

No badalar dos Sinos, novas vidas e comportamentos, refletem como a solidão é melhor das companhias, humanizando, que se pedir piedade, não é um afresco de boa subjetividade.

Ademir, bem sabia, que o que tinha conquistado, ou melhor, o mísero que havia conquistado, e que estava aturdido para um fracasso, em ter seus sonhos mais profundos realizados, pois para uma andragogia de fazer o bem para si mesmo, muitos como eles passariam pelos mais polivalentes tipos de humilhações.

Já não desejava mais algum lampejo de esclarecimento, mas sim, queria em algum momento ser querido e visto de verdade pela sociedade.

Mas, “a verdade”, sempre esteve ao seu lado, era algo saliente, envolvente, e comovente, que angariava seus sentimentos de raiva mais profundos, mas o libertava de qualquer tipo de narcisismo.

Sentia “uma miséria” raivosa por si mesmo, afinal viver em solidão, por alguma razão, também contava com um sentido, a desmentir nominalismos de vácuos intelectuais, que possam caminhar, para uma compreensão que o seu corporal, estava viabilizado, para admissão hipócrita, que para sua alma haveria algum  predicado de amor, para uma salvação metafísica, ou que alguém se lembrasse de lhe fazer alguma oração diante sua morte.

Ademir era a infâmia do que poderia se fazer um bom viver, em querer também, oferecer, alguma tipologia comportamental em lutar para sair de sua miserabilidade social e mental, e que almejar construir novos sonhos, na relva de um bom lugar para se viver, seria uma guerra interminável dentro de si, e que a “Miséria” nunca o deixaria em paz.

Mas, paz era uma palavra muito pesada, para aquela figura.

Era disforme ou pouco provável, que alguém se importasse consigo, e dentro da sala de aula que a vida era, Ademir tinha faltado nas aulas de que “para se importar com alguém, antes tem que importar consigo próprio”.

Teria que percorrer ruas, praças, pontos de ônibus, porta de bordéis dos mais baratos e sujos, para ver se conseguiria alguma bebida das mais baratas possíveis, que lhe desse alguma esperança de voltar a “(sobre)viver”.

Viver, já não era um desafio e sim uma forma humanitária de tentar compreender, como o vazio e a indiferença estavam o corroendo por completo.

O dinheiro, se roubasse, ou se propusesse, a praticar pequenos furtos, poderiam lhe “dar alguma enganação”, para sua fome, e o fazer um pouco autômato, e lhe garantir algumas horas de uma “pseudo – paz”.

Paz perante a miséria plena e sucessiva?

Não de fato não, Ademir era tão inexpressivo que nem os “vira-latas bípedes ou quadrúpedes o queriam”: quem doou um pouco de atenção foram servidores públicos do “Hospital das Clínicas”, que faziam somente suas obrigações burocráticas, de pegar aquele corpo todo desnutrido e levar para ser abastecido com soro, para logo depois lhe jogar novamente na promiscuidade e vadiagem,

A polícia, nem se importava mais com sua presença em locais públicos, a não ser que seu cheiro ocre, chegasse a incomodar algum dos ditos cidadãos de bem.

Mas Ademir tinha um orgulho que ultrapassava o limite, entre a saia justa da indiferença com o seu “desejo secreto”, de ter atenção e carinho.

Não pedia verbalmente esmolas, mas lançava para os transeuntes, um olhar macabro e forte, em que seus pensamentos jogavam todo tipo de desejo de malefícios, para ornamentar um pouco mais seu sentimento miserável de inveja.

A inveja era algo, que ele também, gostava, e gostava muito “de se alimentar”, como se sendo um local de consolo, para todas as suas frustrações, e realizando uma dádiva, de que é fundamental, ter isso, como uma negociação cruel para sua consciência cheia de ódio, possa  ter  um pouco de tranquilidade, pois dentro “da miséria”, se constrói preceitos, de não estar em um cotidiano que seja vitalício de alegrias, mas que a braveza dos humilhados, pode causar algum prazer, sem diretamente ter que ofender aqueles e aquelas que lhe causam tanta inveja.

Ademir procurava algum tipo de recepção sensorial e social, para procurar compreender, que um dia foi rico, e  que dificilmente outro dia iria lhe trazer novos adventos, por isso estava para sempre enterrado, no seu passado cheio de indiferença, recheado de ódio, como também em saber que isso pouca importava para as pessoas, pois só seria mais um, caminhando pelas ruas sem se quer, adornar algum suspiro de alegria para que o encontrassem diante a sua aparência macabra,  sacrilégios de piedade que já estavam ultrapassando a miserabilidade, pois os mendigos “de sempre”, teriam mais orgulho e reconhecimento de si próprio, que ele por si mesmo.

“A Miséria”, em todos os seus significados e caminhos, era sua eterna companheira, e não o abandonaria, pois primeiro tirou seus bens, depois o dinheiro, partindo para sua dignidade, e assim sua humanidade.

Estava entregue ao teatro de julgamentos e esquecimentos, de uma máscara de atrevimentos em não ter mais nenhuma força para almejar ser tratado novamente como um ser humano que merecesse “o mínimo de respeito”.

Passou a caminhar, como um louco preso a um sanatório coletivo, que ficava indo para qualquer direção, olhando por entre a fumaça e fuligem, um congestionamento de interpretações equivocadas de sua condição, e que internamente já não o representava, mas sim fazia-o ter uma condição de cada vez mais ser tratado como um incomodo, até como sendo o mais desgraçado, que a vida levou para seu limbo infinito de injustiçados, e os que julgam serem injustiçados.



Ademir foi perdendo sua sanidade, e nos seus últimos momentos de “pára-vida”, apenas ficou observando carros velozes, que tanto admirava indo e voltando, bem tendo a insignificância que o seu fim, mesmo sem ter praticamente nenhuma faculdade mental de clareza mantida estava próximo, sendo a consolidação de que teve o auge, mas que não soube lidar tão bem com o fracasso que a vida revela para cada ser humano em especial, e que não basta fechar os olhos para ignorar a presença da “Miséria”.

“A miséria”, é um atrevimento personalista sarcástico que brinca a cada segundo com as certezas e destrezas humanas...

Ademir só foi mais um brinquedo, em seu infinito campo de sedução e destruição das mais profundas habilidades e psicologias “dos sapiens”.


SOBRE O AUTOR

Clayton Alexandre Zocarato


Possui graduação em Licenciatura em História pelo Centro Universitário Central Paulista (2005) - Unicep - São
Carlos - SP, graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano (2016) - Ceuclar - Campus de São José do Rio Preto – SP.. Escrevo regularmente para o site www.recantodasletras.com.br usando o pseudônimo ZACCAZ, mesclando poesia surrealista, com haikais e aldravias.. Onheça mais do autor!

·                  Email: claytonalexandrezocarato@yahoo.com.br

·                  Instagram: Clayton.Zocarato


Clayton Alexandre Zocarato faz parte do programa "Escritores de Sucesso" faça parte também deste programa do Jornal e Editora Alecrim.

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Comentários

  1. Muito bom,parabéns ao escritor,gostei porque não foi algo desgastante de ler e foi usado palavras que todos tem o conhecimento e mesmo assim não ficou um conto informal.

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