As Muletas e o Sofrimento por Clayton Alexandre Zocarato
Caiki tinha trabalhado a vida inteira como
borracheiro, era um profissional do ramo, antigo e dos bons.
Tinha conquistado uma boa freguesia, e as
principais transportadoras da cidade o procuravam para os mais diversos reparos,
desde apertar as porcas das calotas enferrujadas, até a complexidade de retirar
gigantescos pneus, para assim poder fazer o alinhamento e balanceamento, de
forma correta, sozinho usando toda a volumosidade de seus membros, para assim
não deixar pontos de questionamentos acerca do seu trabalho.
Porém as longas horas de trabalho, usando
praticamente a força física constantemente, e a repetição dos mesmos movimentos
já lhe estavam causando alguns problemas de saúde, como dores viscerais nas
costas, tendinite, desgaste nas juntas, e problemas nos estomago devido às “generosas”
porções de café que tomava, para assim “matar o seu sono”, e varar noites
inteiras, rodeado de ferramentas, motores, graxa, e parafusos.
Como todo o bom pilão do serviço bruto,
pensava como um grande capitalista, que, “o tempo tanto de forma a acumular
riquezas como a ter que respeitar seu relógio biológico”, estava sendo
necessariamente desrespeitado a cada instante, e isso seria cobrado de forma
implacável com o passar dos anos.
Depois de dedicar-se boa parcela de sua
juventude e maturidade a esse trabalho pesado, depois de sofrer com artrites e
desgastes nos joelhos aquém dos outros problemas corporais, não conseguindo
mais agachar, e se movimentar de forma eficiente, para assim realizar com a
maestria seu serviço, as muletas culminaram por ser uma companhia inevitável,
que se fez notável e também muito repulsivo, e desprezível.
Com sua fragilidade ter se tornado
evidente, muitos de seus clientes julgavam aquele ofício solitário, requeria
pensar, que em algum momento teria que
colocar a mão na consciência e assim parar de ter a “Síndrome de Superman”, e
que sua força era insuperável, pois a “kryptonita” que lhe causava fadiga,
era orquestrada por “Kronos”, e que não estava nem um pouco interessado em parar
com suas ações, ornamentadas em seu esqueleto teimoso, levando a ficar mais
fraco e revoltado, por não aceitar a ação do tempo.
As Muletas lhe causavam paúra, detestava-as
com todas as suas forças, em ter que usá-las, principalmente em público.
Por causa da sua insistência “luciferiana”,
se esborrachou várias vezes com o rosto no chão cheio de terra das calçadas,
repletas de cocô de cachorro, e pelo qual tinha que desviar sempre que assim possível fosse,
isso quando não vinha com os “pés batizados”, tendo que
transformar seu tanque em uma sujeira só, advindo do mau cheiro, para fazer a higiene
dos seus calçados fedorentos.
O dentista do bairro já tinha acostumado
com suas visitas, pois já tinha lhe colocado dois dentes postiços, diante seus
tombos e tinha se tornado uma figura caricata, e também de ironia para as
pessoas.
A dificuldade em aceitar, que o tempo
chega para todos, fazia Caiki, sofrer silenciosamente.
Não tinha se casado, mas tinha uma irmã e
um irmão, mais novos que sempre iam à sua casa, e assim ficavam horas afio,
proseando sobre o que tinham vivido nos tempos de juventude.
Caiki foi um galanteador nato, e sua lista
de conquistas, fazia ser um bom partido, mas seu jeito chucrão e machista afastava,
as “donzelas
de boa família”.
Mas tão pouco isso fazia algum sentido
para ele, pois o que importava eram quantas gurias conseguia conservar em seus
longos braços, e por quantas “horas”, novos e breves contos de fadas seriam construídos, em terrenos
abandonados, moitas na região rural, ou em belos suntuosos bancos de carros.
Agora, com os problemas musculares, nem
transar conseguia direito.
Estava se tornando brocha? Enrustido?
Preferia a morte a ter que passar por tal
tipo de julgamento ou constrangimento.
Mas o que o deixava cada vez mais
irritado, eram aquelas benditas muletas. De um momento para outro, em sua
cabeça orgulhosa, cheio de desrazões, se questionava como tinha acabado daquela
forma.
Parecia mais um carcomido, que vinha a
deixar um sentimento de “pena”, pelas pessoas que viessem a
passar por ele.
Caiki não suportava isso.
“O sentimento de “dó”, perante alguém que
trabalhou a vida inteira no “pesado”, e que até para as coisas
mais elementares, estava passando por dificuldades terríveis, e que lhe estava
causando um abalo emocional enorme.
Aquelas muletas, viviam sendo arremessadas
de um lado para outro, mas como um bom perseguidor implacável estava sempre a “mercê”
do seu senhor, como um escravo pronto para cumprir as ordens de seus donos.
Mas Caiki não era quem dava as cartas, e
sim as muletas.
Eram até que “bonitinhas”, com seu
entorno feito de mogno, revestido de boa espuma para não causarem bolhas em
suas mãos, e também em sua ponta, revestida de bom plástico, que assimilava impactos,
não deixando seus braços tremerem, e assim vir a sofrer mais tombos.
Era um arraso na “estética da deficiência”.
As muletas pareciam, um Deus, que conduzia seu corpo pelo espaço, mas que não
tinha piedade nenhuma em fazer recordar, que até o fim de sua existência seria
sua eterna companhia. Sua amante, como também sua súplica, para que por alguns
instantes o deixasse em paz.
A paz que lhe foi tirada, e pela qual
passaria a ouvir burburinhos de estranhos, que passariam a fazerem os
comentários mais ludibriosos, fingindo que o bom senso, poderia ser disseminado
para todas as pessoas.
Um falso personalismo, que produziria mais
um semblante de falsidade para as pessoas, que já não se encantavam mais com o
absurdo, em ter que manter todas as aparências que fossem possíveis e também
impossíveis.
Caiki sentia o poder de julgamento
transpassar sua carne, como se a vida soprasse para ir a um rio de fogo, como o
existente em “Dante”, e que seria julgado tanto pelos pecados que tinha cometido
como os que tinha pensado em cometer.
As muletas, lhe causariam mais sofrimento mental
que corporal, dentro de um quadro psicológico que não tinha sido realçado, em estar
sendo obstinado a saber como lidar com os mais variados tipos de apontamentos,
que através de uma diversidade fajuta, pregava, “o bom princípio de estar vivendo
em uma luta sistemática”, para manter as mais múltiplas maneiras de
falsidades do bom senso.
Pois é! As muletas eram uma triste história,
que já não poderiam produzir novas estórias, que pudesse assim ser preenchidas
de felicidade.
Caiki já não conseguia fazer com que seu trabalho
fosse o mesmo de antes.
Gastava valores absurdos em medicamentos,
para assim poder dormir a noite, ao contrário de sua vida taciturna, para não
ficar se movimentando de um lado para outro, em um certame de insônias que
pareciam não ter fim.
Logicamente, dentro do preconceito calunioso,
“seus
falsos amigos” foram se afastando, e teria que lidar com suas
dificuldades sozinho. Seus irmãos também tinham seus afazeres. A solidão
lentamente estava batendo em sua porta.
E seus sonhos, se tornaram pesadelos, que
ao longo do dia viriam lhe trazer os piores julgamentos diante sua condição física.
Seria um estorvo?
Ficaria até o resto dos seus dias,
dependendo de alguém para fazer até o mínimo de suas necessidades?
Sua dor foi aumentando e se tornando
aguda, forte com um sorriso sarcástico de que tanto tinha trabalhado,
praticamente seria para deixar de viver e passar a sobreviver.
Passaria por muitos constrangimentos e
praticamente seus lamentos seriam despercebidos, e tão pouco seria convidado
para algum evento, ou reunião de bares, e sim passaria a ser um caminho de
piadas ofensivas bem como, exemplo de discriminação.
Caiki não tinha outra escolha, a não ser
caminhar por entre subterfúgios do esquecimento e ficar em seu barracão,
comiserando que em algum momento sofreria algum infarto ou acidente vasculhar,
que lhe mataria trazendo a paz novamente, ou que o deixaria ainda mais
debilitado.
De fato, sofreu um AVC, que o levou direto
para o PS central, mas que por conta das longas filas de necessitados, ficou
aguardando horas por um atendimento.
As Muletas dessa vez não foram sua
companhia, mas sim enfermeiros que conseguiram chegar até seu quarto cheio de
traças e com praticamente nenhuma higiene, foram comunicados de sua urgência em
atendimento médico, depois receberam um chamado com sua voz tremula, que depois
foi se perdendo aos poucos, mas que através do GPS, conseguiram localizar sua
origem e assim destacar uma unidade de UTI Móvel para lá.
Agonizou, e agonizou, tendo como últimas
pessoas ao seu redor somente enfermeiros, que viriam a cumprir seus papéis
burocráticos, e praticamente não demonstravam estarem se importando com
ninguém, pois o sofrimento era algo que já tinham se acostumado a verem, e
Caiki, só seria mais um entre tantos que padeciam por entre hospitais, que
ficavam a mercê de entrarem em um belo e justo caixão e assim caminharem rumo
ao cemitério público municipal.
Caiki morreu, mas em seus últimos momentos
lembrou-se de sua fiel companheira, aquelas muletas que tanto odiava, que
ficaram jogadas em seu lar, e que deveriam apodrecer sem fazer uso nenhum.
Assim que seu sofrimento foi aniquilado,
um jovem com paralisia infantil entrou no seu leito, necessitando urgentemente
de ajuda para suas dores nos calcanhares, e também precisaria de muletas, para
continuar sobrevivendo.
SOBRE O AUTOR
Clayton Alexandre Zocarato
· Email: claytonalexandrezocarato@yahoo.com.br
· Instagram: Clayton.Zocarato
Clayton Alexandre Zocarato faz parte do programa "Escritores de Sucesso" faça parte também deste programa do Jornal e Editora Alecrim.
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