“Quando o Corpo Quebra, o Coração Aprende”... (inspirado em “Crash and Burn”, do Savage Garden -1999) por Clayton Alexandre Zocarato

 

O silêncio do pronto-socorro era quase uma provocação.

Entre o zumbido das luzes fluorescentes e os gemidos abafados, havia um homem sentado, as mãos entrelaçadas no colo, com o jaleco dobrado sobre os ombros como quem carrega uma vergonha. O nome no crachá: Dr. Érico Amaral.

Era ele, o cirurgião de renome que vira seus dedos tremerem na última operação.

Os anos de precisão haviam sido substituídos por lapsos mínimos, mas fatais. "Fadiga", diziam os laudos. "Ansiedade", murmuravam os colegas.

Ele mesmo não sabia — só sentia o peso.

Desde o acidente de Júlia, sua esposa — um atropelamento idiota, num fim de tarde chuvoso —, a vida entrara em suspensão.

 O corpo dela sobrevivia, vegetando, e ele sobrevivia com ela. Um casamento em coma, a vida anestesiada.

Ele pensava em desistir.

Não da profissão apenas — mas do todo.

Não havia ninguém para dizer que tudo ficaria bem. Nenhum aviso celestial. Nenhuma salvação médica.

E foi nesse cansaço que conheceu Caetano, um menino com fibrose cística, internado há meses, mas com uma energia que desafiava qualquer lógica médica.



— Dr. Érico, o senhor sabe que o pulmão também é coração? — perguntou o garoto, sorrindo, como se revelasse um segredo cósmico.

— Como assim, garoto?

— Porque ele cansa, mas mesmo cansado, ele insiste. Igual a gente.

A frase, solta, caiu como epifania.

Moacyr Scliar escreveria aquele menino como uma parábola médica: o corpo doente como metáfora de resistência.

Pedro Nava descreveria, em sua prosa de memória, a mão trêmula do médico não como falha, mas como cicatriz — como sinal de que viver é perder firmezas.

Nos dias seguintes,

Érico visitava Caetano como quem visitava um templo.

O menino, aos poucos, tornava-se o espelho invertido da medicina: frágil, doente, mas profundamente vivo.

 Enquanto os tubos se ligavam ao seu corpo pequeno, os olhos ainda brilhavam como quem ainda sabia sonhar com bicicletas, pipas, cachorros.

Um dia, ele contou que tinha medo de morrer. Mas mais do que isso, tinha medo de morrer sem ter deixado algo bonito.

— Todo mundo acha que quando a gente quebra, acabou. Mas às vezes é quebrando que a gente aprende a sentir.

Aquela noite, Érico não dormiu. Pensou em Júlia.

Pensou nos próprios dedos, no bisturi, na mãe que o criou sozinha e dizia que “esperança é o que sobra quando o resto some”.

 Pensou em desistir de novo. Mas então, sem saber por quê, vestiu o jaleco e voltou ao hospital.

Pediu para assistir uma cirurgia. Não chefiar. Apenas observar. Recomeçar — mesmo que do fim.

Caetano piorou alguns dias depois. Pulmões saturados.

Os médicos chamaram Érico, não como cirurgião, mas como presença. Ele segurou a mão do garoto como se fosse seu último diagnóstico.

— Eu tenho medo, doutor. Mas se for pra cair... que seja como nas músicas. Com luz. Com alguém por perto.

“Crash and Burn”, a canção que ouvia com Júlia no carro, voltava à memória: "When you feel all alone, and the world has turned its back on you..."

O menino morreu naquela noite.

Mas deixou algo bonito. No enterro, Érico leu um bilhete que encontraram no bolso do garoto:

“Se um dia eu parar de respirar, não é porque desisti. É só porque o meu pulmão precisou virar vento.”

Meses depois, Érico voltou a operar.

 Devagar. Mãos ainda trêmulas, mas agora firmes de outra maneira.

No rosto, uma calma que não era ausência de dor, mas presença de significado. Voltara à medicina, sim — mas também à vida.

Visita a Júlia todos os dias, mesmo que ela não o reconheça.

Conta histórias de Caetano. Ouve Savage Garden, às vezes no carro, às vezes nos fones. E quando alguém desaba diante dele, não fala de cura — fala de continuar.

Porque como diria Scliar, a medicina não é só arte de salvar, mas também de acompanhar.

E como lembraria Pedro Nava, todo sofrimento é também autobiografia.

O importante é que, mesmo quando a gente despenca, alguém esteja ali — para ver.

Para segurar. Para lembrar que até na queda, pode haver beleza.


SOBRE O AUTOR

Clayton Alexandre Zocarato


Possui graduação em Licenciatura em História pelo Centro Universitário Central Paulista (2005) - Unicep - São
Carlos - SP, graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano (2016) - Ceuclar - Campus de São José do Rio Preto – SP.. Escrevo regularmente para o site www.recantodasletras.com.br usando o pseudônimo ZACCAZ, mesclando poesia surrealista, com haikais e aldravias.. Onheça mais do autor!

·                  Email: claytonalexandrezocarato@yahoo.com.br

·                  Instagram: Clayton.Zocarato


Clayton Alexandre Zocarato faz parte do programa "Escritores de Sucesso" faça parte também deste programa do Jornal e Editora Alecrim.

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