"Filhos do Barulho" Um conto sobre riffs, fumaça e liberdade - Clayton Zocarato

 

            Era terça-feira, mas parecia domingo: cinza, preguiçosa e com gosto de ferro na boca. Em São Judas, bairro da periferia alta daquela cidade, os dias sempre começavam com buzinas, berros e as sirenes de um mundo que parecia mais prisão do que possibilidade de redenção e realização.       

            Mas naquele dia, algo fervia na alma dos quatro adolescentes que se reuniam atrás da escola técnica para acender seus cigarros escondidos e debater a vida como quem prepara uma revolução.

            Caio, o mais velho, usava uma camiseta do Black Sabbath surrada e uma jaqueta de couro rasgada no ombro.

            Era ele quem trazia as ideias mais malucas, sempre citando Kerouac e Raul Seixas na mesma frase. Ao lado dele, Nina — 17 anos, coturno vermelho, olhos afiados como guitarras em distorção — rabiscava frases de Allen Ginsberg nas carteiras da escola: “I saw the best minds of my generation destroyed by madness…”. Mas os dela estavam vivos, loucos, sujos e cheios de sonhos.

            Dudu, o mais quieto, escutava Metallica no fone e sonhava em sair dali com uma banda,  em uma van psicodélica e uma estrada infinita.

             Já Léo, filho de um policial militar, carregava a raiva contida como dinamite no bolso.

             Tinha lido Sartre por causa da Nina, e agora dizia que “o inferno não são os outros, é o sistema”.

            O que unia aqueles quatro era o barulho.

            Não o barulho da cidade, nem o das broncas da escola, mas o som libertador das guitarras.

            O metal os tirava do chão, dava voz à dor que a matemática não resolvia e que a redação sobre "Cidadania no Brasil" nunca abarcaria.

            — “Ozzy é tipo um profeta do caos, tá ligado?” disse Caio uma vez, enquanto passava o baseado. “Tipo um profeta marginal.  Ele fala da escuridão, mas sem fugir dela. Como a gente. “E a gente vai escrever também”, completou Nina. “Mas com riffs.”

            A ideia de montar uma banda nasceu ali. Nome: Filhos do Barulho. Influência: Black Sabbath, Sepultura, Rage Against the Machine, mas também Cazuza, Bukowski, Chico Science e os beats malditos que Nina amava. Queriam um som sujo, urbano, gritado — um grito contra o apagamento, contra o futuro de salários mínimos e cárceres invisíveis.

            Eles começaram a ensaiar numa garagem emprestada, entre caixas de som quebradas e uma bateria feita com latões.

             Nina escrevia as letras como se cuspisse manifestos. Caio cantava como quem exorciza um país. Léo tocava guitarra como quem rasga o tempo.

            E Dudu, no baixo, sustentava tudo como a rua sustenta quem nunca teve lar.

            — “Somos beat e somos metal”, dizia Nina, “porque queremos democracia e barulho. Igual o Allen Ginsberg sonhava, mas com solos de guitarra.”

            Começaram a fazer shows em ocupações culturais, protestos estudantis e praças sujas de esperança.

            Eram recebidos com vaias e aplausos, mas sabiam que estavam abrindo rachaduras no concreto.

            A primeira grande porrada veio depois de um show improvisado na porta da prefeitura.

            Cantaram “Marcha da Fúria”, uma música que citava Marighella, Rosa Luxemburgo e Ozzy no mesmo refrão: “Nem céu, nem inferno — queremos a rua! / Com sangue, guitarra e loucura!”

            A polícia veio como quem vem para a guerra. Léo foi imobilizado com brutalidade.

            Nina apanhou com os livros na mão. Caio quase perdeu um dente. Só Dudu escapou, correndo por entre os carros.

             Foram liberados depois de horas, mas algo dentro deles já tinha mudado.

            — “Agora a gente sabe que somos perigosos”, disse Caio, rindo com o rosto roxo.  

— “Se eles têm medo de quatro moleques e um amplificador, então a gente tá certo.”

            A banda virou lenda no submundo da cidade.

            Gravaram um EP independente chamado Riffs Democráticos — seis faixas cruas, urgentes, cheias de referência ao caos urbano, à juventude periférica e ao desejo de mudar o mundo.

            Uma delas, “Manifesto em Dó Menor”, abria com uma citação de Nietzsche: “Aquele que luta com monstros deve cuidar para que, ao fazê-lo, não se torne também um monstro.”

            Começaram a aparecer em blogs alternativos, festivais de garagem, até que um repórter de uma revista cultural conceituada os chamou de “os novos poetas marginais do asfalto”.    Nina sorriu.:

            — “Somos o Bukowski de coturno. A democracia das quebradas.”

            O tempo passou.

            Cada um seguiu seu rumo.

            Dudu virou produtor musical. Léo virou professor de filosofia.

            Caio partiu para o sul do país e nunca mais voltou. Nina se tornou jornalista e publicou um livro chamado Filhos do Barulho, que começa com a seguinte dedicatória:

            — "Aos que fizeram da distorção uma bandeira. A quem preferiu a rua à cela, o som à submissão, a rebeldia à rotina.

            Que o heavy metal siga sendo nosso grito por uma democracia real, suada, vivida na pele e não nos discursos."

            A última frase do livro é um verso de uma das músicas da banda:

“Não queremos futuro — queremos agora, com grito, guitarra e sangue no olho.”




Clayton Alexandre Zocarato

Possui graduação em Licenciatura em História pelo Centro Universitário Central Paulista (2005) - Unicep - São Carlos - SP, graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano (2016) - Ceuclar - Campus de São José do Rio Preto – SP, Técnico em Comércio Exterior pelas Faculdades Eficaz, e atualmente cursa Serviços Jurídicos e Notoriais na Unimar. Escrevo regularmente para o site www.recantodasletras.com.br usando o pseudônimo ZACCAZ, mesclando poesia surrealista, com haikais e aldravias..Formado Especialista em Medina y Arte com ênfase em Gilles Deleuze e Equizoanálise   onde é também  pesquisador do Centro de Medicina y Arte  de Rosário – Argentina, sendo o primeiro brasileiro a atuas nesse centro de pesquisa. Especialista em Ensino pela Ufscar, especialista em Psicopedagogia Institucional pela Fundepe – Unesp, Especialista em História da África pela Faculdade de Minas Gerais.

·                  Email: claytonalexandrezocarato@yahoo.com.br

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