QUANDO TOCAVA THE ONE - por Clayton Zocarato
QUANDO TOCAVA THE ONE
Um conto sobre o amor que ninguém viu acontecer
Era o ano 2000. Os celulares ainda
tinham antena. As calças jeans eram largas. E os sentimentos pareciam mais
silenciosos — como se o mundo ainda estivesse aprendendo a nomeá-los.
A boate se chamava Neo Light, embora tudo nela fosse
velho: o carpete grudando nos tênis, o banheiro que pingava e os copos de
plástico que deixavam gosto de passado. Mas para Leonardo, aquilo era uma
catedral de sonhos.
Tinha dezessete anos e acreditava,
com uma fé que só os jovens têm, que alguma coisa mágica poderia acontecer ali
— mesmo que fosse só um olhar.
Rodrigo frequentava a Neo Light como
quem já tinha visto tudo. Tinha dezenove anos e uma maneira de estar no mundo
que desafiava as leis da gravidade. Os olhos pequenos, castanhos e vivos, o
cabelo caindo sobre os ombros em desalinho milimetricamente calculado.
Rodrigo era o tipo de pessoa que parecia nunca
esperar ninguém, mas por quem todos esperavam.
Leonardo o viu pela primeira vez no
segundo sábado de julho. Estava encostado no pilar da pista, esperando a
coragem descer pelo canudo do refrigerante. E então, Rodrigo dançou.
Dançava sozinho, entre dois flashes.
Uma dança pequena, feita de
movimentos contidos, como se o mundo inteiro estivesse dentro do próprio corpo.
Leonardo prendeu a respiração. Foi nesse instante que começou a amar.
O tempo passou devagar. Leonardo aprendeu a chegar cedo, só para ver Rodrigo chegando. Nunca se falavam muito. Mas havia gestos. Um sorriso. Um “oi” com a cabeça.
Um cigarro dividido atrás da boate — onde o som da música virava eco, e o mundo parecia menos urgente.
— Você sempre vem sozinho? —
perguntou Rodrigo uma vez, entre uma tragada e outra.
— Sempre. — Leonardo respondeu, e
completou: — Prefiro observar.
Rodrigo sorriu. Não com escárnio,
mas com uma ternura involuntária, como quem descobre algo bonito por acidente.
— Você é diferente.
Leonardo guardou essa frase como
quem guarda uma carta de amor que nunca existiu.
Naquela noite, o DJ tocou Garbage,
Oasis e, surpreendentemente, “The
One” de Elton John. Uma música que parecia deslocada naquele ambiente, como
um cisne nadando entre patinhos de plástico. Rodrigo não dançou. Ficou parado,
olhando para a pista.
— Gosto dessa — ele disse.
Leonardo só assentiu. Não ousou
dizer que aquela era, também, a sua música preferida. Preferiu o silêncio. Às
vezes, o amor é só isso: estar ao lado e não dizer nada.
Em setembro, Clara chegou.
Não era nova na cidade, mas era nova
na boate. Estava com um grupo barulhento, mas logo se destacou: alta, segura,
com um jeito de rir que atraía atenção. Rodrigo
a viu. E Leonardo viu Rodrigo vê-la.
Na semana seguinte, quando a música “The One” tocou de novo, tudo mudou.
Leonardo estava perto do bar,
fingindo que escolhia uma bebida. O gelo do copo tinha derretido. A pista
vibrava em azul.
E Rodrigo atravessou o salão com a
calma de quem sabe para onde vai.
Ele foi até Clara.
E a beijou.
Não como um experimento, mas como
quem já tinha beijado mil vezes em sonho. Um beijo inteiro, com os olhos
fechados, enquanto Elton John cantava:
“And all I ever
needed was the one…”
Leonardo não chorou. Nem saiu
correndo. Apenas sorriu.
Um sorriso pequeno, discreto, que
ninguém viu. Era o tipo de sorriso que se dá quando algo se parte por dentro —
e não há ninguém para ouvir o estalo.
Saiu da boate em silêncio. Passou
pelo segurança, acenou com a cabeça. Na calçada, as luzes da cidade piscavam
como olhos cansados. Sentou no meio-fio. O céu parecia maior do que antes.
Na semana seguinte, ele voltou.
Rodrigo não estava. Clara também
não. A música não tocou.
Leonardo ficou até o fim. Dançou
sozinho uma vez. Sorriu para o espelho do banheiro. E então foi embora.
Voltou mais algumas vezes, sem
esperanças, só por rotina. A boate parecia menor. As luzes mais fracas. A
juventude, um pouco mais longe.
Um dia, parou de ir.
Anos depois, já com o rosto marcado
por outros amores e outros desamores, Leonardo ouviu “The One” tocar em um supermercado.
Ficou parado entre as prateleiras de
cereais, segurando uma caixa de aveia, como se segurasse um fantasma.
Lembrou-se da boate.
Do beijo que não deu.
Do cigarro dividido.
Da frase: “Você é diferente.”
E sorriu.
Não de dor. Não de nostalgia amarga.
Mas de ternura.
Porque amar — mesmo sem ser amado —
é uma forma de beleza. E há algo de eternamente puro em quem ama em segredo,
com doçura, e segue em frente.
O amor de Leonardo não foi
correspondido.
Mas foi inteiro.
Foi o suficiente.
Possui graduação em Licenciatura em História pelo Centro Universitário Central Paulista (2005) - Unicep - São Carlos - SP, graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano (2016) - Ceuclar - Campus de São José do Rio Preto – SP, Técnico em Comércio Exterior pelas Faculdades Eficaz, e atualmente cursa Serviços Jurídicos e Notoriais na Unimar. Escrevo regularmente para o site www.recantodasletras.com.br usando o pseudônimo ZACCAZ, mesclando poesia surrealista, com haikais e aldravias..Formado Especialista em Medina y Arte com ênfase em Gilles Deleuze e Equizoanálise onde é também pesquisador do Centro de Medicina y Arte de Rosário – Argentina, sendo o primeiro brasileiro a atuas nesse centro de pesquisa. Especialista em Ensino pela Ufscar, especialista em Psicopedagogia Institucional pela Fundepe – Unesp, Especialista em História da África pela Faculdade de Minas Gerais.
· Email: claytonalexandrezocarato@yahoo.com.br
· Instagram: Clayton.Zocarato
· Facebook: https://www.facebook.com/clayton.zocarato/
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