Quando o Vento Dança com a Chuva

                      

            Tocava Marvin Gaye naquela noite de sábado — “Sexual Healing” envolvia o salão como um feitiço suave. O grave pulsava como coração apaixonado, e cada batida parecia hipnotizar os corpos.

            Ela sorria com os olhos, ele com as mãos. A pista virou altar e a dança, um falso sacramento.

            Eles não sabiam, mas estavam se despedindo.

            Ali, colados, rodopiando ao ritmo sensual daquela canção, confundiam desejo com destino.

            A dança é assim: engana. Ela promete o eterno, mas só dura o tempo da música.

            Ela se deixou levar — pelos passos, pela pele, pelos sorrisos partidos ao meio.             Ele, por sua vez, esqueceu o mundo.

            Era como se o toque dela apagasse tudo: os erros, o medo, os amores certos que estavam guardados — ou esquecidos — no canto da memória. “Healing”, dizia Marvin.             Mas era ferida o que nascia.



            Lá fora, a chuva caía fina, como lágrimas que ninguém teve coragem de chorar.             Escorria pelos vidros do salão como as lembranças que um dia escorreriam pela alma. E o vento, inquieto, soprava pelas frestas, tentando avisar: isso não vai durar. Mas quem ouve o vento quando a pele canta?

            Eles se perderam no instante. E, como todo instante, passou.

            Quando a música parou, o feitiço se quebrou em silêncio.

            Ele ficou. Ela foi. Ou talvez o contrário.

            O certo é que o amor que esperava em outro canto, aquele que conhecia o cheiro da alma e não apenas o gosto da pele, ficou esquecido.

            Perdeu-se entre a batida do baixo e o suor da pista. E nunca mais voltou.

            Anos depois, quando o mundo já era outro e as promessas tinham virado poeira, ele ainda lembrava. Lembrava da dança, da voz de Marvin, do calor nos quadris. Mas principalmente, do que perdeu: aquele amor tranquilo que ficou para trás, afogado no torpor de uma noite que nunca quis ser manhã.

            Às vezes, quando chove, ele acha que a chuva rega a saudade, como quem rega uma planta seca que nunca morreu de fato.

            E quando o vento sopra forte, ele pensa que talvez seja ela — trazendo no ar um fiapo de perfume, uma lembrança, ou quem sabe a própria esperança.

             A esperança de que alguns amores, mesmo perdidos, ainda saibam voltar.

            Porque há danças que curam. Mas há outras que só servem para esquecer.

            E Sexual Healing continua tocando, em algum lugar, como uma metáfora ardente do que podia ter sido, mas não foi.

 

A Dança Completa...

 

 

            1. O Rastro da Canção

 

            “Baby, I’m hot just like an oven…”

 

            Era uma daquelas noites em que o tempo parece se dissolver no ar. No salão, o clima era morno, denso, como se as paredes respirassem o mesmo desejo que transitava entre os corpos. A música vibrava nas caixas com um sussurro lascivo — Marvin Gaye falava de cura, mas ninguém ali queria ser curado.

            Ele a viu primeiro pelas sombras. Um vulto ondulando no ritmo.

            Não sabia seu nome. Só a forma como seus ombros se curvavam suavemente antes do giro, como se dançasse com um segredo que só ela conhecia.

            O olhar deles se cruzou e bastou.

            Ela sorriu com a boca fechada, e os olhos diziam: vem.

            Ele foi.

            Quando os corpos se tocaram, o mundo cessou.

            Os ruídos da cidade, as contas por pagar, os compromissos do amanhã... tudo foi engolido pela música, pelo toque, pelo calor.

            A dança era um ritual pagão.

            Eles não falavam, mas os dedos diziam. Os quadris gritavam.        Era dança — mas parecia amor.

            Ou parecia o que o amor finge ser, quando se disfarça de noite perfeita.

 



            2. Onde o Amor Esperava

 

            O que nenhum dos dois sabia — ou fingia esquecer — era que, em outro lugar, alguém esperava.

 

            Ela tinha deixado uma promessa no café da tarde, um “volto cedo” sem convicção.

            Ele tinha ignorado mensagens não lidas, aquele tipo de afeto estável que não pulsa, mas sustenta.

            Eles tinham quem os amava.

            Mas, naquela pista úmida de suor e desejo, esqueceram.

            Talvez não fosse culpa deles. A dança tem dessas coisas — ela inebria.

            Faz a pele dizer sim enquanto o coração grita não. A batida forte de Sexual Healing mascarava os passos mal dados da vida.

            Como diria um velho poeta que ele lia na juventude:

            "Há amores que são como ventania: derrubam tudo e depois desaparecem no horizonte."

            E o dele estava ali, diante dele, com um vestido vermelho e olhos que pediam para continuar.

 

            3. A Chuva e a Saudade

 

            Lá fora, a chuva começava a cair.

            Fina, insistente, como se Deus lavasse o mundo em silêncio.

            Cada gota no vidro era uma memória que escorria sem ser chamada.

            A chuva regava o solo da saudade, mesmo antes dela existir.

            Ela é profeta, a chuva. Sabe antes dos corpos o que o coração sentirá depois.

            Enquanto dançavam, um raio cortou o céu lá fora, mas eles nem notaram.

            Estavam tão imersos na presença do outro, que o mundo poderia acabar ali e tudo pareceria parte da música.

            Mas não acabou.

            Acabou pior: a música terminou.

            “Heal me, my darling…” — e o silêncio.

            Eles se entreolharam como dois náufragos que de repente se deram conta de que estavam em ilhas diferentes.

            Não disseram adeus. Só se afastaram com a pressa dos culpados.

                        Um último olhar. Um último suspiro.

 

            E um  nunca mais.

 

            4. Os Anos Que Vieram Depois

 

            Agora, muitos anos depois, ele anda sozinho pela mesma cidade.

            Os bares mudaram de nome, os amigos mudaram de rosto.

            Mas a memória dela ficou intacta — como um negativo de fotografia que nunca foi revelado.

            Às vezes, em tardes cinzentas, ele jura ouvir o eco da música.

            Não nos ouvidos, mas nas veias.

            Ele não lembra mais o nome dela, se é que soube um dia.

            Mas lembra da dança. Do perfume. Do instante.

            E do que perdeu ao se entregar àquele feitiço de sábado.

            Porque o amor certo, o que esperava com paciência em outro canto, ele deixou morrer.

            Foi engolido por Marvin Gaye, pelo giro de um quadril e pela promessa vazia de que o prazer é suficiente.

            Mas o prazer é volátil.

            A saudade, não.

 

            5. O Vento Que Volta

 

            Ela partiu naquela noite sem olhar para trás.

            O vestido colava nas pernas por causa do calor, e a música ainda ecoava dentro do peito como um coração fora de compasso.

            O carro esperava na rua, os faróis cortando a névoa fina da madrugada, e ela entrou em silêncio, como quem foge de um crime que ainda não foi julgado.

            Dentro do carro, a culpa sentou no banco de trás e foi com ela até em casa.

            Não disse nada. Nem precisava.

            Ela encostou a testa no vidro e deixou os olhos vazarem.

            Do lado de fora, o vento batia contra os prédios, assobiava entre os vãos da cidade, levantava folhas mortas e jogava poeira nos olhos de quem insistia em caminhar.

 

            Era setembro, e o vento sempre voltava...

            Trazia com ele memórias desfeitas, perfumes antigos, e aquela velha esperança que nunca morre — a de que tudo ainda pode ser consertado.

            Mas não pode.

            Há gestos que não voltam. Há danças que custam caro demais.

 

            6. O Silêncio dos Dias Seguintes

 

            Ela voltou pra casa, tirou os sapatos, desfez o coque, lavou o rosto — mas não conseguiu lavar os olhos.

            No espelho, ainda via o reflexo dele dançando com ela.

            Não o rosto, não o nome. Apenas o gesto.

            O toque leve nas costas, o queixo próximo ao ombro, o ritmo compartilhado como um segredo.

            Ela tentou dormir.

            Mas dormir exige paz, e ela havia deixado a dela no chão de um salão qualquer.

            O celular piscava com mensagens não lidas de alguém que a amava de verdade.

            Ela ignorou.

            Não por maldade, mas por vergonha.

            Como você olha nos olhos de quem te esperou com calma, depois de se perder nos braços de quem nem ao menos te disse adeus?

 

            7. Metáfora do Corpo: Quando a Dança é Fuga

 

            No fundo, ela sabia que não foi paixão, nem sequer desejo.

            Foi uma fuga.

            A dança foi sua trincheira, seu esconderijo temporário.

            A batida da música cobriu os gritos do coração.

            “Sexual Healing” era apenas trilha sonora de uma ilusão cuidadosamente construída.

            A cura que Marvin cantava não veio.

            Veio o contrário: a constatação de que o corpo pode mentir melhor do que a boca.

            Que a pele pode confundir amor com ausência.

 

            Porque naquela dança, ela não procurava um homem.

            Procurava esquecer o que sentia por outro.

            E pagou caro por isso.

 

            8. A Esperança Sopra Devagar

 

            Mas o vento é insistente.

            Ele volta. Sempre volta.

            Às vezes, entra pelas frestas da janela, bagunça as cortinas, levanta a poeira e com ela as lembranças.

            Anos depois, numa tarde qualquer, ela caminhava pela praça onde costumava encontrar o amor certo.

            O mesmo que ela havia deixado em silêncio, sem explicação.

            O céu estava nublado, mas ainda não chovia.

            Foi quando o vento soprou forte, e com ele veio o cheiro do passado.

            Não o do salão. Mas o do café da tarde, do beijo calmo, do silêncio confortável que ela trocou por 3 minutos e 27 segundos de calor.

            Ela parou.

            O coração, estranho, bateu mais lento.

            E foi nesse instante que entendeu: o que ela sentia não era apenas culpa.

            Era saudade.

            Saudade do que era certo, e que ela não soube valorizar.

 

            9. Dois Silêncios que se Ouvem

 

            Ela o viu.

            Sentado num banco, sob a sombra de uma árvore de folhas esparsas.

            Estava só. Lendo algo, talvez fingindo que lia.

            O cabelo mais grisalho, os ombros mais curvados. Mas o mesmo ar de eternidade discreta.

            Ela não se aproximou.

            Apenas observou. Como se fosse ele agora quem dançava — não com o corpo, mas com o tempo.

            E ela, do lado de fora, batia palmas sem ser ouvida.

            O vento soprou novamente.

            Levou seus cabelos para trás, trouxe o arrepio e com ele, a pergunta:

            "Será que ele ainda lembra?"

 

            10. Memória é uma Casa Inabitável

 

            Ele não via mais o rosto dela com clareza.

            O tempo, esse escultor de sombras, havia apagado os traços, mas deixado o contorno da ausência.

            Era como lembrar de uma música sem lembrar da letra.

            Como sentir saudade de um cheiro que não se sabe nomear.

            Aquela noite tinha virado um cômodo fechado na casa da memória.

            Ele não entrava, mas também não trancava a porta.

            Às vezes, por descuido ou por cansaço, abria a maçaneta sem querer — e lá estava ela.

            Girando.

            Rindo.

            Oferecendo a dança como se fosse promessa.

            Mas a dança passou, e ficou só o eco.

            O eco dói mais do que o silêncio.

 

            11. Arrependimento é uma Febre Tardia

 

            Ela, por sua vez, carregava aquele instante como quem carrega uma febre que não mata, mas também não cessa.

            Fez outras escolhas. Viu outros rostos. Deu risada em mesas de bares e dormiu em camas que não tinham o mesmo cheiro. Mas nada a curou daquela dança.

            Porque não foi só uma traição de pele.

            Foi uma traição de direção.

            Ela não apenas traiu o outro. Traiu a si mesma.

            Ao seu caminho. Ao que sabia, no fundo, que era certo.

            “Sexual Healing” virou trilha de pesadelo.

            A cura prometida virou doença prolongada.

            O corpo, depois, sentia mais frio.

            O toque dos outros era sempre mais raso.

            Ela aprendeu ali que nem todo calor é abrigo.

 

            12. A Saudade Regada Pela Chuva

 

            Chovia sempre que ela lembrava.

            Ou talvez ela lembrasse sempre que chovia.

            A água que descia pelos postes, pingava dos toldos e encharcava o asfalto, era a mesma que escorria por dentro dela, lavando lembranças que insistiam em não ir embora.

            A saudade é semente estranha:

            Quanto mais a gente tenta enterrar, mais ela brota.

            E quando a chuva vem — essa velha cúmplice do passado — tudo germina de novo.

            Ela escrevia cartas que nunca enviava.

            Escrevia para ele. Para si. Para o que não viveu.

            Cartas com frases como:

            "Se eu tivesse ficado."

            "Se eu tivesse dito não à dança."

            "Se eu tivesse percebido que o amor não se mede em calor, mas em permanência."

            Mas os "se" nunca servem de abrigo.

            Eles são como goteiras no telhado: a gente escuta pingar, mas não consegue estancar.

 

            13. O Vento e a Possibilidade

 

            Naquela tarde cinzenta, quando o viu no banco da praça, ela não o chamou.

            O tempo não permitia milagres tão fáceis.

            Mas o vento — aquele mesmo que outrora não conseguiu detê-la — agora soprava mais leve.

            Não era um vento que empurrava. Era um que convidava.

 

            Era como se dissesse:

            “Ainda dá tempo.”

            “Você pode ao menos tentar explicar.”

            “A dança foi um tropeço, mas o amor… o amor talvez tenha sobrevivido.”

            Ela sentiu vontade de caminhar até ele.

            Dizer algo simples, como “Oi”.

            Ou então apenas sentar ao lado e esperar que o silêncio fizesse o que as palavras jamais dariam conta.

            Mas ficou parada.

            Entre o medo e o desejo.

            Entre a saudade e o orgulho.

            Entre o que foi e o que poderia ainda ser.

 

            14. Dois Corpos. Duas Coragens. Nenhuma Palavra.

 

            Ele a viu. Sabia que era ela — ainda que não se lembrasse do rosto inteiro.

            O corpo lembrava antes da mente.

            O estômago afundou.

            O tempo parou — como parou naquela noite em que dançaram.

            Por um instante, pensou em levantar.

            Chamar. Dizer: “Você voltou?” ou “Eu esperei.”

            Mas também não o fez.

            Achou que talvez ela estivesse ali por acaso.

            Achou que o passado não merecia reanimação.

            Ou talvez, no fundo, a dor da saudade fosse mais confortável que o risco da decepção.

            E assim ficaram:

            Ela parada.

            Ele sentado.

            A chuva caindo devagar.

            O vento soprando como mensageiro entre dois mundos que quase se tocaram de novo.

 

            15. O Reencontro que Quase Foi

 

            A distância entre os dois não era mais do que cinco metros.

            Quatro passos e meio, se contados com hesitação.

            Mas naquele instante, era um abismo.

            Um abismo cheio de palavras não ditas, de silêncios mal compreendidos, de promessas que nunca foram feitas — mas que, por algum motivo, sempre pareceram existir.

            A chuva engrossava.

            O céu parecia sentir o que eles não tinham coragem de dizer.

            E o vento… o vento fazia sua parte: dançava ao redor deles, tocando seus rostos com mãos invisíveis, como se implorasse:

            “Acordem. Antes que seja tarde demais.”

            Mas ninguém se moveu.

            Ninguém cruzou os quatro passos e meio.

            A vida, às vezes, exige mais coragem do que o peito aguenta.

 

            16. Os Amores que a Gente Escolhe Esquecer

 

            Depois daquele dia, ela não voltou à praça.

            E ele, como fazia sempre que algo o confundia, mergulhou em uma rotina tão precisa quanto vazia.

            Era mais fácil fingir que não havia sido nada.

            Um deslize. Um acaso.

            Apenas uma mulher bonita dançando. Apenas uma noite comum.

            Mas não era verdade.

            Ele sabia.

            O corpo sabia.

            E ela também sabia.

            Sabia que entre todos os erros da vida, aquele teve gosto de “quase” — o pior dos sabores.

            Alguns amores morrem gritando.

            Outros, como o deles, morrem calados.

            Sem drama. Sem rompante.

            Apenas somem, como um perfume esquecido na gola de uma roupa antiga.

 

            17. A Maturidade do Vazio

 

            Os anos ensinaram aos dois que a saudade também amadurece.

            Ela para de doer como espinho e começa a doer como ausência.

            Não corta, mas pesa.

            Não sangra, mas aperta.

            E quando se percebe, já se vive com ela como quem carrega uma cicatriz:

não se olha o tempo todo, mas sente-se sempre ali.

            Ele aprendeu a não procurar o rosto dela em multidões.

            Ela aprendeu a não esperar mensagens que nunca foram escritas.

            Ambos seguiram.

            Com novos rostos, novas histórias, novos compromissos.

            Mas com um canto do peito reservado — não para o reencontro, mas para a lembrança do que poderia ter sido.

 

            18. O Amor que Vira Brisa

 

            Com o tempo, a tempestade vira garoa.

            E o vendaval, brisa.

            Eles não se cruzaram mais.

            Mas, em tardes de vento ameno, às vezes ele a sentia — como se o ar tivesse memória e soprasse seu nome num sussurro que só ele podia ouvir.

            Ela também.

            Em noites muito silenciosas, entre um gole de vinho e uma música antiga, pensava nele sem dor.

            A lembrança vinha suave, quase bonita.

            O amor — aquele, da pista de dança — já não pulsava.

            Mas também não havia morrido.

            Tinha virado outra coisa.

            Uma melodia muda. Uma fotografia mental.

            Uma saudade sem mágoa.

            Um vento que sopra devagar, só pra lembrar que um dia foi tempestade.

 

            19. A Última Carta (que ninguém leu)

 

            Anos depois, ela escreveu uma carta.

            Não para enviar.

            Apenas para limpar a alma.

            “Eu não sei seu nome inteiro. Não sei onde você está. Mas sei que você foi o único erro que me ensinou com leveza.”

            “A gente não se perdeu porque não era amor. A gente se perdeu porque se encontrou na hora errada.”

            “E, mesmo assim, obrigada. Por dançar comigo. Por me deixar lembrar que eu ainda sentia.”

            Ela dobrou a carta, guardou entre as páginas de um livro que não relia há anos, e sorriu.

            Porque às vezes, a saudade não quer voltar. Só quer ser reconhecida.

 

            20. Amar Sem Possuir

 

            Amor, descobriu ele com os anos, não era presença constante.

            Era vestígio.

            Era o modo como uma lembrança insiste em voltar mesmo quando não se quer.

            Era o toque que ecoa mesmo depois de mil outros toques.

            Era o modo como certas pessoas moram em nós, mesmo depois de saírem pela porta da frente.

            Ela também descobriu isso, mas à sua maneira.

            Percebeu que amar não é só ficar.

            É lembrar com ternura.

            É não desejar que volte, mas também não querer esquecer.

            É deixar viver no silêncio aquilo que, se falado, talvez estragasse.

            Nem todo amor precisa ter continuidade.

            Alguns só precisam ter existido.

 

            21. Dança Gravada na Pele

 

            Os corpos dançaram apenas uma vez.

            Mas aquela dança foi escrita na pele como tatuagem invisível.

            Outros vieram, outras músicas tocaram, outros toques aconteceram.

            Mas o compasso daquela noite — o deslizar dos pés, o calor da palma nas costas, o cheiro entre o pescoço e a orelha — tudo isso ficou.

            Ela o sentia às vezes, em sonhos, como se o passado decidisse tocar novamente aquela canção só para testar seu coração.

            Ele, por sua vez, nem precisava dormir para lembrá-la.

            Bastava uma tarde úmida, o som de um saxofone na calçada, ou o nome de uma música antiga tocando num rádio esquecido.

            “Sexual Healing” passou a significar algo maior do que Marvin Gaye poderia imaginar:

            Aquela música virou o marco de um instante em que o corpo mentiu, mas o sentimento era verdadeiro — e breve.

 

            22. O Tempo Não Cura Tudo, Mas Ensina a Convivência

 

            Com o tempo, eles aprenderam a viver com a ausência.

            Não como quem sofre, mas como quem aceita.

            Ele se casou, ela também.

            Tiveram vidas decentes, amores tranquilos, jantares em silêncio e algumas gargalhadas reais.

            Mas, no fundo, ambos sabiam: ninguém ocupou o mesmo lugar.

            Não porque era insubstituível, mas porque aquele espaço não foi feito para ser preenchido de novo.

            Era como um relicário: guarda-se ali algo que não se usa mais, mas que nunca se joga fora.

 

            23. O Vento Como Testemunha

 

            De tempos em tempos, o vento voltava.

            Entrava pelas janelas, sacudia as cortinas e sussurrava memórias nos ouvidos cansados.

            Era o único que sabia de tudo.

            O único que viu a dança e viu o afastamento.

            O único que acompanhou os dois depois — nos silêncios, nas cartas não enviadas, nas tardes de solidão.

            O vento não julga.

            Só passa.

            E talvez seja por isso que ele sempre volta: para lembrar que o que é leve também pode ser eterno.

 

            24. A Verdade Final

 

            Num caderno velho, ele anotou certa vez:

            “Ela me ensinou a não confundir intensidade com destino.”

            “A gente se perdeu porque confundiu calor com lar.”

            “Mas ainda danço com ela, toda vez que a memória me leva para aquele salão.”

            Ela, em um bilhete guardado entre papéis antigos, escreveu:

            “Nunca contei a ninguém sobre você.

            Guardei só pra mim, como se fosse uma música que toca no fone de ouvido enquanto o mundo dorme.”

            E foi assim que eles seguiram:

            Vivendo outras vidas, mas lembrando da mesma dança.

 

 

            25. A Última Dança

 

            Eles nunca mais se tocaram, nem trocaram palavras.

            Mas, no silêncio de suas vidas, continuaram dançando.

            Não com os corpos, mas com as lembranças — como se o tempo fosse um salão onde só eles tinham ingresso.

            Era uma dança lenta, feita de pausas e suspiros.

            Um passo à frente, dois para trás.

            Às vezes uma pausa para olhar nos olhos da saudade e dizer, em pensamento:

            “Obrigada.”

 

            26. A Chuva Que Lava Sem Apagar

 

            A chuva continuou a cair em suas vidas.

            Às vezes forte, às vezes tímida, sempre fiel.

            Ela regava a saudade com gotas de água limpa, lavando a dor e revelando o que ficou.

            Não apagou.

            Não podia apagar.

            A memória, afinal, é como tatuagem feita na alma — não sai, apenas muda de cor com o tempo.

            E a chuva, que tudo rega, era a prova de que aquilo que é verdadeiro pode resistir a tudo, menos ao esquecimento.

 

            27. O Vento Que Nunca Cansa

 

            O vento, esse velho companheiro, nunca cansou de soprar.

            Fez isso no verão, no inverno, nas manhãs frias e nas tardes quentes.

            Foi voz, foi suspiro, foi convidado invisível.

            E como quem sabe que a vida é feita de encontros e despedidas, ele dançou com a chuva, embalando a saudade e soprando esperança.

            Esperança de que, mesmo longe, eles ainda pudessem se reconhecer — não em carne, mas em memória.

 

            28. O Que Resta

 

            Resta a certeza de que certos amores não pedem posse.

            Resta a paz de quem aprendeu que amar é libertar.

            Resta a lembrança guardada em caixas de música invisíveis, onde “Sexual Healing” toca para dois corações que foram, por um instante, só um.

            Eles seguiram.

            Separados, mas unidos pela dança que nunca acabou.

            E assim termina essa história — não com um beijo ou um abraço, mas com um vento que canta e uma chuva que embala...

 


O amor verdadeiro é aquele que não morre, só muda de forma.”



Clayton Alexandre Zocarato

Possui graduação em Licenciatura em História pelo Centro Universitário Central Paulista (2005) - Unicep - São Carlos - SP, graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano (2016) - Ceuclar - Campus de São José do Rio Preto – SP, Técnico em Comércio Exterior pelas Faculdades Eficaz, e atualmente cursa Serviços Jurídicos e Notoriais na Unimar. Escrevo regularmente para o site www.recantodasletras.com.br usando o pseudônimo ZACCAZ, mesclando poesia surrealista, com haikais e aldravias..Formado Especialista em Medina y Arte com ênfase em Gilles Deleuze e Equizoanálise   onde é também  pesquisador do Centro de Medicina y Arte  de Rosário – Argentina, sendo o primeiro brasileiro a atuas nesse centro de pesquisa. Especialista em Ensino pela Ufscar, especialista em Psicopedagogia Institucional pela Fundepe – Unesp, Especialista em História da África pela Faculdade de Minas Gerais.

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